Texto de Kátia Camargo
Lá pelas bandas de São Jerônimo da Serra:
O Rubi que nasceu no mato
(Kátia Camargo)
O tempo pode ser
visto na sua pele. As rugas estão em todo seu corpo que um dia foi como uma
flor aveludada e cintilante.
Mas como um
segredo, ela agora com seus 105 anos, guarda uma alma jovem. A alegria é vista
constantemente em seu sorriso que tem vida própria nas gargalhadas da velha
senhora.
Conseguiu com o
tempo guardar imensos tesouros e ao imaginar que sua ciência um dia vai se
calar, nasce uma vontade de chorar.
Conceição, mulher
forte.
Entende de tudo,
sua crença casada com sua ciência, herdada de sua mãe, fez da menina uma
“médica” de toda a região.
- Está com o
Vento Virado, encosta na parede meu filho. Veja como você está com uma das
pernas maior que a outra. Vou “indireitar” isso.
Uma massagem
puxando os braços encolhia a perna maior. E lá se ia embora o Vento que turvou a
vida daquele.
- Está com os “zóio”
ruim filha. Entrou ar na testa. Vou fazer o benzimento e este carvão que está
na água vai subir. Então vamos lavar seu rosto e o ar vai ficar na pedra.
E lá se ia
embora toda conjuntivite. Não sei se era a água ou o carvão ou a fé. Mas sarava
todo o mal do olho.
- Esse menino
está com bronquite da braba! Vamos “prende” ela na parede. Encosta esse menino ali perto da porta.
Encostado na
parede, o menino era medido e, logo em seguida, Dona Conceição furava um buraco
com uma broca com ponta. Uma mecha do cabelo era cortada e colocada no buraco e
tampado com uma massa misteriosa. E lá ficava o mal do pulmão. Junto com a reza
a mãe saia com um xarope de mel de abelhas e plantas.
O tempo começava
a fechar anunciando chuva forte. E a casa de Conceição era visitada pelos agricultores
que estavam plantando ou colhendo.
- Pode deixar, vou
“mudá” o rumo dessas nuvens.
E, assim, as penas
de galinhas eram queimadas e colocadas debaixo da peneira virada ao contrário.
Assim as nuvens entendiam o recado e passavam longe do vilarejo.
- Essa dor é
íngua minha filha. Foi picada por algum inseto?
- Fui sim, Dona Conceição.
- Então vamos
amarrar essa íngua.
O barbante era
passado pelos braços e começava a reza.
- O bem que
corte?
- Íngua, Dona Conceição.
- Assim mesmo,
eu corto!
O bem que corte?
- Íngua.
- Assim mesmo, eu
corto.
Dessa forma, o
barbante rodeava o braço cinco vezes e era amarrado.
- Quando cair o
barbante todo o mal vai embora filha.
E assim acabava
com aquele mal.
Crianças da
região, que não falavam de jeito nenhum, eram curadas com o piado do pintinho recém-chocado
na boca da criança. O piado da choca soltava língua pregada.
E para aquelas
crianças mais preguiçosas que não queriam andar, eram cortados os primeiro
passos com o machado. Daí o pequeno aprendia até correr.
Uma mistura de
álcool com uma planta chamada Rubi era usada para limpar ferimentos. Hoje sei
que o tal “Rubi” tem valor antisséptico.
Hoje não sei se
era simpatia, benzimento, fé ou ciência, somente presenciei que, de uma forma
ou de outra, aquelas pessoas tinham a quem recorrer na hora de sua dor.
E dessa forma, eram curados do mal do corpo e
da alma.
(foto: Kátia Camargo)
*Texto produzido durante o Curso de Escrita Criativa da Prosa- Consultoria de Textos
*Texto produzido durante o Curso de Escrita Criativa da Prosa- Consultoria de Textos
Que história bonita... e tá tudo ali, bem dentro da sua cabeça ou do coração, a fé!
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